sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Just be it.


E deu-se de querermos ser outras coisas. Não exatamente como crescer e virar astronauta ou passar de Mauro para Stephanie, mas devem ter anunciado em algum lugar que a nova tendência é comprar novos rótulos para o que costumamos ser. Tinha mal meus cinco anos quando, vendo televisão, teimei que queria que meu nome fosse Patrícia. Não sei quanto tempo, quantos capítulos de novela ou quanta psicologia infantil levou para eu aceitar que ia ser Mariana mesmo, mas superei. De lá pra cá já se vão alguns anos e uma porção de reclames, e a coisa não mudou muito. Meu primo tem quatro, aprendeu a falar ‘tota tola’ quase empatado com ‘pai’ e ‘mãe’ e quer mais é ser o Ben10. Não é preciso ter mais de cinco dedinhos que contam a idade para que essa coisa meio sem cara e limite que nos cerca comece a nos dizer quem devemos ser e o que devemos ter.

Parece que chegamos a um tempo em que todos, em algum momento, já desejaram ser outra coisa. Ter padrinhos mágicos, acordar Angelina Jolie ou viver tanto quanto Dercy, não contam. Na verdade é aquela já tão cotidiana sensação de acreditar que podemos ser realmente melhores se tivermos dentes livres de 12 problemas bucais ou cabelos com toque de expert. Não que dentes saudáveis e cabelos inamarrotáveis não sejam legais - devem inclusive, até cair muito bem. O problema parece ser quando já nem lembramos como eram nossos cabelos originais ou as coisas das quais realmente gostávamos e tudo vira uma eterna referência a conceitos construídos em menos de 30 segundos.

Em algum lugar lá atrás, antes dessa época em que tudo se desmancha no ar, tentávamos descobrir o que éramos. Hoje, compramos. (com frete grátis e entrega em sete dias úteis.) E lá estamos nós engajados, ousados, independentes.. surfistas e country. E, com todo o conforto, não precisamos nem nos dar ao trabalho de agir ou acreditar em nada disso. Só precisamos usar, comprar ou estar; com as roupas, as marcas e nos lugares certos. Não há muito tempo para idéias e aos looks cabe nos contar cada dia mais.

Juro que nem desconfio de em que outono/inverno ou primavera/verão foi que começamos a nos construir através das coisas que possuímos. Não que elas não digam à bessa sobre algumas coisas que demos de ser, mas reza a lenda que houve a época em que, em grande parte, éramos nossos valores e o que acreditávamos. E, de repente, cá estamos nos tornando o que e quanto vale aquilo que compramos.

Valíamos o que éramos e hoje somos o que valemos – ou parecemos valer. Já não é de agora que o ter parece ter superado o ser e perdemos cada vez menos tempo enxergando de verdade. E esse mundo de imagens e tudo bem rapidinho não tem lá dado tempo de sermos; sobra apenas o suficiente para parecermos, e quiçá fazer um miojo. Andamos sem muito tempo para conhecer um caráter e contamos só com o suficiente para visitar um profile.

Na verdade, não é que a coisa seja assim tão ruim. Se a gente for parar pra pensar, por trás de todo profile, look, login e cabelo inovador sempre existirá um sujeito, com suas próprias alergias, histórias e algum (bom ou mau) caráter. Daí cabe a nós estarmos dispostos a conhecê-lo antes de passar para a próxima página. Disposição para conhecer o que há de verdade por trás das aparências e alguma vontade para ser mais do que nossas últimas aquisições.

Deve estar nos nossos olhos, cada vez mais acostumados a olhadas superficiais e seus conseqüentes pré-julgamentos, a oportunidade de dar uma chance ao ser. Ninguém é a simples combinação de tendências, slogans e etiquetas ou a vida seria muito, muito chata. As pessoas podem ser bem mais complexas e costumam ter quatrocentas e vinte mil camadas por baixo dessa que a gente enxerga de primeira. Aliás, gente é complicado, complexo. Gente de verdade então é coisa que Deus preferiu nem fazer manual que era para já ir deixando a dica de que, ao contrário do multiprocessador e apesar do que digam os livros de auto-ajuda, o negócio não era fácil de entender não. E é aí que mora toda a graça.

Há tanta gente de verdade por ai. Tanta gente diferente, com uma porção de idéias, vivências e suas filosofias. Gente maluca de verdade daquelas que a gente realmente ganha o dia por encontrar, trocar umas histórias e seguir adiante, que seria muito subaproveitamento da coisa cismar que tudo e todos são só o que enxergamos, assim de longe. As idéias e os ‘creios’ de cada um levam mais tempo pra enxergar do que os sapatos, mas costumam valer bem mais a pena. Tempo sempre há, basta torcer para que os eternos novos anúncios, os velhos pré conceitos e as redesderelacionamentosocial (assim, tudo junto, como dizem na TV) nos deixem algum para nos relacionarmos, com o real. Tempo e vontade de ver (e conhecer) o que mais há lá fora e por dentro.

2 comentários:

  1. Fazia tempo que eu não lia conteúdo tão bom :)

    Isso [gente de personalidade] não temos percebido com mais frequencia, por que os pais de hoje [pessoas com idade para serem nossos irmãos mais velhos, e possivelmente filhos de pais como os nossos] perderam a referencia de casa. As referencias de pessoas. Hoje, somos bombardeados e cercados pelas referencias das coisas. E quanto mais diferentes as pessoas querem ser, mais parecidas com as outras têm ficado. É da natureza humana buscar alternativas para não sentir-se só, mas as opções tem ficado cada vez mais infames. Fazemos parte de uma geração que poderia ser absurdamente melhor que as anteriores, se ao invés de preocupar-se em saber o que quer, entendesse antes o que realmente não quer.

    Genericamente, continuamos sendo aquilo que está na nossa essência, e se despendemos um pequeno esforço para manter nossa personalidade ao invés de variar as personagens conforme o que momentaneamente desejamos parecer, conseguimos ver na publicidade exemplos do que não precisamos na vida, e passamos a rir da ideia de quantas pessoas seguindo aquele modelo, passaremos a acompanhar. As pessoas tem procurado mais conhecer outras ao invés de conhecerem a si primeiro, isso também contribui para o mundo de "espelhos cegos" com o qual nos habituamos a [con]viver.

    Soma-se ao tempo para não conhecer um carater, a vontade, né? As vezes nos apegamos demais às primeiras impressoes, e não nos permitimos ir além... e caimos no "erro" que apontamos.

    É raro, mas vez ou outra acontece o que voce escreveu: investimos um tempinho em olhar além da casca, além das embalagens que aparentam compor as pessoas. Foi exatamente o que eu fiz ao vir ler seu blog, linkado nos meus favoritos há alguns meses, mas que só agora consegui parar pra acompanhar. Gostei do que li, e volto para conhecer um pouco mais.

    Ótimos dias pra ti!

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  2. Conteúdo muito bom, porque fica explicito que é seu. Que vem de dentro da[s] casca[s], trazendo junto um pouco de cada uma delas. E indiscutivelmente, todo tempo que se usa para conhecer o novo, é investimento na gente e no outro =).

    Dos demais posts [um delicioso investimento do meu tempo, diga-se], senão uma alegria singular em perceber que não observo detalhes sozinho e vejo a graça da vida nas coisas simples, nas pessoas [aparentemente] simples e na vida popular; nas lembranças mais particulares da infancia e do tempo em que a nossa preocupação era não preocupar-se. E [re]ler coisas que já escrevi por mim e/ou no meu blog [aquele ali é uma extensão de 1 história de 5 anos e meio...], e estava escrevendo pra ti e encontrei senão com as mesmas palavras, dizendo a mesma coisa.

    Em entender, de um jeito que só o tempo [ou a maturidade] nos traz, que as pessoas são fascinantes, com sua sorte de qualidades, defeitos

    e trejeitos. Tempo este que é feito, no meu ponto de vista, de paciencia e consciencia, aquela mesma que suguere que é ele quem cura

    todas as feridas. Juntos, promovem as intensas modificações que vão, como num tear, costurando cada pedaço da gente, graças as atitudes

    que tomamos e as escolhas que exercemos.

    Ter amor por aqueles que são realmente nossos [familia], a paixão pelo que fazemos [sim, TCC é um casamento :D], e a certeza de que

    nossos proximos podem ser nossas referencias, mas jamais serão desculpas para o que fazemos ou deixamos de fazer, quanto ao que nos

    completa ou não nos faz bem [uma pessoa me disse há uns três anos, e não esqueci: a vida é feita de encontros e desencontros, e no

    misturar deles a gente vai aprendendo].

    Ver que nossas aulas / referencias academicas sobre criatividade invariavelmente nos fazem recordar da "infantilidade" com a qual isso precisa se dar, e dai, teoricamente moldados e adultamente perdidos, deixamos nos levar apenas por regras e esquecemos deste olhar infantil, que sempre faz, de um jeito que [literalmente] temos muita dificuldade em imaginar, o implicito tornar-se explicito.

    Um pouco antes do tcc [mais especificamente no começo do namoro (noivado) com a pré-banca no 3º ano], desaprendi a arte de dormir 8h por dia e apenas sobre extremo [extremo mesmo] cansaço, consigo dormir mais que isso. Nos demais dias, são religiosas 5h. Nem mais nem menos, biologicamente ajustado.

    Não só volto, como agora fiquei [ainda mais]curioso para continuar conhecendo este um pouco mais. Ótima semana pra ti =)

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