quarta-feira, 25 de novembro de 2009

"E eu nem chorei"


Queria ter caído mais. Vá lá que arrumei alguns cascões de ferida de fazer inveja nos coleguinhas, conquistei mais medalhas no joelho do que Phelps na natação e fui muitas vezes colorida de vermelho-merthiolate pra escola. Mas olhando daqui dos 21 parece que foi pouco.

Pouco porque era uma época propicia para quedas, a infância. Venhamos e convenhamos que chega uma idade que cair pega mal. Quando se tem 8 ou 9 anos você é feito pra andar ralado e é um grande feito levar o gesso prozamiguinhos assinarem. E, dependendo da importância que os adultos dão pra coisa (sim, porque cair só dói mesmo quando a mãe leva a queda a serio), a gente simplesmente esquecia e ia dar comida pro tamaguchi. Simples assim. Ninguém, aos 10, faz terapia porque não teve sucesso na tentativa de descer de cabeça pra baixo o escorrega – bunda ou porque errou o freio da Caloi na ladeira.

Adulto caindo não tem lá muita naturalidade. Não sei se pelo caráter recente da coisa ou porque já não se reage da mesma forma quando se é gente grande, mas não vemos marmanjos narrando suas grandes quedas tardias. Criança não perde a chance de contar a história inteira do dia em que conseguiu a nova ferida e faz questão do band-aid, aquele que pisca/brilha no escuro, do Ben10 ou rotiuíl. Não interessa se levou trinta e dois pontos externos (mais 27 internos) ou a vó ficou bege de ver o osso do menino. Pra criança é coisa do dia a dia, daquelas que a gente esquece antes do recreio chegar.

Quando a gente cresce a coisa complica. Há todo um drama ligado ás quedas. A gente não esquece o machucado simplesmente e segue a vida. Vai na emergência, arruma atestado, passa na farmácia pra ver se tem um genéricodequalquercoisantinflamatória e reza pra não infeccionar. Alias, infeccionar, é coisa de adulto, ninguém com 10 anos se preocupa se a ferida diginvolve para megaferida quando se come camarão. Criança lida muito melhor com um osso partido em cinco partes do que qualquer adulto jamais lidará. Li sobre o menino que decepou o braço brincando com o irmão e com medo da mãe brigar guardou o braço no freezer e foi dormir. Vê? Braço decepado não é nada, perigo mesmo é a mãe brigar. “Achas que dá pra por um band-aid do ben10?” “Hum, sei não” “Ah, então vamo dormir antes que a mãe veja.”

É como dente de leite, flexibilidade e (em alguns casos) sinceridade: a maioria vai perdendo a mãnha de cair com o passar do tempo. Sem falar na naturalidade que é meio complicada de ter com a combinação reunião+chefe/cliente+esparadrapo. Uniforme e merendeira casam, sem duvida, muito melhor com esse tipo de coisa.

O tempo passa e fica muito mais difícil e menos aceitável estar por ai com hematomas, roxos e arranhões.. em alguns casos não sem comentários maliciosos e suposições sobre atividades da noite anterior. Minha última queda narrável foi com 15 anos. Naquela idade que a gente acha que é mocinha mas na falta do que fazer vai andar de bicicleta, com primo na garupa, sem freio, na ladeira de piçarra. Vai ver é por isso que as meninas resolvem crescer depressa; a sociedade não compreende mocinhas enroladas em ataduras e todas trabalhadas no merthiolate, creiam-me.

Se há um tempo pra cair ele acontece antes da gente começar a achar que entende das coisas. Antes de a gente ter CPF, chefe e fatura pra pegar. Todas as quedas que contaremos lá na frente devem ser arrumadas ali, antes das espinhas, festinhas e paquerinhas. E é bom que aproveitemos ao máximo enquanto não levamos muito a serio os machucados. Dizem que tem gente que cresce e cria medo de se machucar.. Nunca vi criança dizendo que tá dispensando a bicicleta porque ela não é lá muito segura. Para que a gente aprenda a cair quando grande a gente tem que treinar pequenininho. Ou então se cresce e vira um daqueles adultos que tem medo de tentar e sequer uma boa presepada da meninice pra contar.

domingo, 1 de novembro de 2009

Coletivos


Filosofias da vida, palavrão e mistério de último capitulo de novela. Que fonte de conhecimento podia, em tempos pré-google, ser tão rica e nos apresentar informações sobre toda sorte de assuntos? Os professores, genitores e toda a gente que se empenhou em me ensinar alguma coisa nessa vida que me perdoem, mas grande parte do que hoje eu sei aprendi mesmo no gracioso transporte coletivo desta cidade. Poucas experiências na vida conseguem ser tão educativas. Mal sabia meu pai que, naquele 1998, com seu mão-de-vaquismo peculiar ao tentar me convencer que era mais vantagem eu ir sozinha para escola do que obrigá-lo a tirar o carro da garagem, ele estava conseguindo bem mais que economias no orçamento familiar.


No ônibus eu aprendi que é importante se segurar se quiser chegar inteiro, que acordar com a boca cheia de formiga não é uma expressão muito amigável e que carisma nem Mastercard pode comprar. Conheci verdadeiros mestres do marketing vendendo balasparatosse-caneta-adesivo-cinco-por-um-real-ou-vale-transporte, fiz amizades daquelas que duram duas ou três paradas e conheci gente que pergunta o trajeto e termina falando do marido, do filho e de como os preços estão subindo. Os velhinhos são capítulo a parte. Certa vez conheci um que em três quarteirões me contou sobre como tinha ajudado a construir a Av. Almirante Barroso, sua opinião sobre quem joga lixo na rua e suas incursões como líder comunitário. Pessoas que te dão sorrisos cúmplices quando você faz sinal para mesma parada e aqueles que seguram um pouquinho mais a saída até que todos alcancem a porta. Há toda uma solidariedade peculiar nas relações que se desenvolvem nos Mercedez Bens coletivos e companhia. Quem nunca, ao ser violado no seu direito de descer na parada solicitada, conquistou duas duzias de amiguinhos que em coro gritavam o característico 'ê, motora!'?

Me mantive atualizada sobre os lançamentos musicais nas rádios exóticas sintonizadas e acompanhei novelas graças ao transporte coletivo. Metade dos folhetins nas manchetes de capa de revista na banca em frente a parada e outra nos comentário inflamados sobre a Helena da vez. Nenhum outro meio de transporte pode oferecer tanto entretenimento. Discute-se política, esportes, ouve-se mentiras. Ficamos sabendo fofocas da vida de gente que nunca vimos mais gordos e novidades dos mais diferentes segmentos. Nenhuma viagem termina sem doses de emoção. Se no carro a única distração são os xingamentos presos pelos vidros fechados, nos ônibus fluem livremente amigáveis diálogos iniciados com discussões sobre o local da parada, e que geralmente caminham para comentários sobre a fidelidade da esposa do motorista e suposições sobre a orientação sexual do dito cujo.

Andar de ônibus é antes uma experiencia do que um simples meio de transporte. Quem é usuário desta maravilha das relações sociais conhece a capacidade de interação que aquele pequeno espaço pode proporcionar e os milagres que são operados em seu interior. A começar pela excessiva intimidade com desconhecidos, no compartilhar de histórias, colônias e outros odores mais e passando pela quase irônica plaquinha indicativa da capacidade que aquele veículo pode transportar. Se o número de passageiros sentados já não se pode levar a sério o que falar dos risíveis 20 estimados passageiros em pé? Desconfio mesmo que seja coisa de nossa Senhora de Nazaré, numa releitura da corda talvez, fazer com que quatrocentas e vinte mil pessoas consigam se segurar em uma pequena barra de metal.

Somente os usuários dos coletivos sabem que dois corpos podem sim ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Antes das 8:00 e depois das 18:00, até três ou quatro. Há, aliás, todo um conhecimento restrito aos usuários de ônibus, sem falar no exclusivíssimo código de ética dos coletivos. Procedimentos, rituais pra maçom nenhum contestar. À exemplo do direito ao lugar que acabou de ficar vago. Os menos versados no assunto diriam que o assento é por direito do cidadão mais próximo, a vivência nos ensina que ele sempre será do mais ágil. E quanta agilidade e perspicácia pode ser adquirida com a prática do andar de ônibus. A sutil guerra de olhares por um lugar na eminência de ficar vago, o contorcionismo para deixar passar a senhora de formas avantajadas mais os quatro mininu que ela traz pela mão e a maratona para atravessar vivo os 400 cm com obstáculos entre a roleta e a porta.

Fato é que o ônibus traz toda uma vivencia que só ele pode arrumar. Aprende-se aquela rotina do ônibus, com as caras conhecidas das 7:15 e aquele horário de passar que a gente estranha se atrasar. Toda a aventura que ele te proporciona logo pela manha, começando com uma agradável sensação de incerteza pra saber se ele vai estar lá ou não e como ele pode te surpreender vez ou outra com a necessidade daquela corridinha matinal pra não perdê-lo na parada. Duvido que quem ande de carro, naquele insosso ar-condicionado e privado do calor humano possa contar com tanta emoção.

E tudo isso não é mais do que uma forma de enxergar com muita boa vontade e um pretensioso ar saudoso as muitas e boas histórias que andar de ônibus já me arranjou, agora que o DETRAN finalmente resolveu que não sou tão prejudicial ao trânsito desta cidade, me deu uma licença para dirigir e teoricamente passarei para o lado menos divertido da locomoção.