Queria ter caído mais. Vá lá que arrumei alguns cascões de ferida de fazer inveja nos coleguinhas, conquistei mais medalhas no joelho do que Phelps na natação e fui muitas vezes colorida de vermelho-merthiolate pra escola. Mas olhando daqui dos 21 parece que foi pouco.
Pouco porque era uma época propicia para quedas, a infância. Venhamos e convenhamos que chega uma idade que cair pega mal. Quando se tem 8 ou 9 anos você é feito pra andar ralado e é um grande feito levar o gesso prozamiguinhos assinarem. E, dependendo da importância que os adultos dão pra coisa (sim, porque cair só dói mesmo quando a mãe leva a queda a serio), a gente simplesmente esquecia e ia dar comida pro tamaguchi. Simples assim. Ninguém, aos 10, faz terapia porque não teve sucesso na tentativa de descer de cabeça pra baixo o escorrega – bunda ou porque errou o freio da Caloi na ladeira.
Adulto caindo não tem lá muita naturalidade. Não sei se pelo caráter recente da coisa ou porque já não se reage da mesma forma quando se é gente grande, mas não vemos marmanjos narrando suas grandes quedas tardias. Criança não perde a chance de contar a história inteira do dia em que conseguiu a nova ferida e faz questão do band-aid, aquele que pisca/brilha no escuro, do Ben10 ou rotiuíl. Não interessa se levou trinta e dois pontos externos (mais 27 internos) ou a vó ficou bege de ver o osso do menino. Pra criança é coisa do dia a dia, daquelas que a gente esquece antes do recreio chegar.
Quando a gente cresce a coisa complica. Há todo um drama ligado ás quedas. A gente não esquece o machucado simplesmente e segue a vida. Vai na emergência, arruma atestado, passa na farmácia pra ver se tem um genéricodequalquercoisantinflamatória e reza pra não infeccionar. Alias, infeccionar, é coisa de adulto, ninguém com 10 anos se preocupa se a ferida diginvolve para megaferida quando se come camarão. Criança lida muito melhor com um osso partido em cinco partes do que qualquer adulto jamais lidará. Li sobre o menino que decepou o braço brincando com o irmão e com medo da mãe brigar guardou o braço no freezer e foi dormir. Vê? Braço decepado não é nada, perigo mesmo é a mãe brigar. “Achas que dá pra por um band-aid do ben10?” “Hum, sei não” “Ah, então vamo dormir antes que a mãe veja.”
É como dente de leite, flexibilidade e (em alguns casos) sinceridade: a maioria vai perdendo a mãnha de cair com o passar do tempo. Sem falar na naturalidade que é meio complicada de ter com a combinação reunião+chefe/cliente+esparadrapo. Uniforme e merendeira casam, sem duvida, muito melhor com esse tipo de coisa.
O tempo passa e fica muito mais difícil e menos aceitável estar por ai com hematomas, roxos e arranhões.. em alguns casos não sem comentários maliciosos e suposições sobre atividades da noite anterior. Minha última queda narrável foi com 15 anos. Naquela idade que a gente acha que é mocinha mas na falta do que fazer vai andar de bicicleta, com primo na garupa, sem freio, na ladeira de piçarra. Vai ver é por isso que as meninas resolvem crescer depressa; a sociedade não compreende mocinhas enroladas em ataduras e todas trabalhadas no merthiolate, creiam-me.
Se há um tempo pra cair ele acontece antes da gente começar a achar que entende das coisas. Antes de a gente ter CPF, chefe e fatura pra pegar. Todas as quedas que contaremos lá na frente devem ser arrumadas ali, antes das espinhas, festinhas e paquerinhas. E é bom que aproveitemos ao máximo enquanto não levamos muito a serio os machucados. Dizem que tem gente que cresce e cria medo de se machucar.. Nunca vi criança dizendo que tá dispensando a bicicleta porque ela não é lá muito segura. Para que a gente aprenda a cair quando grande a gente tem que treinar pequenininho. Ou então se cresce e vira um daqueles adultos que tem medo de tentar e sequer uma boa presepada da meninice pra contar.