domingo, 21 de março de 2010

Espelhos.


Uma vez li a respeito de uma pesquisa sobre crianças de comunidades carentes, socialização e auto-reconhecimento. Falavam sobre os meios de socialização e de como eles estão ligados aos processos de identificação, identidade. No desenvolvimento da pesquisa foi realizado o teste do espelho, onde as crianças ficam diante do tal espelho e após um período inicial tem seus narizinhos pintados, sem que percebam. Daí, diziam eles, nem todas as crianças reconheciam aquela imagem refltida no espelho como sendo delas mesmas, reagindo como se a manchinha estivesse não ali, nos seus próprios, mas acolá no nariz de qualquer outro. Segundo o senhor que começou essa história de espelhos, manchas e reconhecimento, chimpanzés e orangotangos com alguma vida social quando diante dos espelhos sacavam logo que alguém havia lhes pintado as orelhas, narizes e o que mais fosse. Mas, por algum motivo, as criancinhas que eram criadas com mais oito irmãos em situações não tão felizes e coloridas não tinham a dita de ao menos perguntar quem era que tinha tido a idéia de lhes sujar. Mesmo que após os dois aninhos, teoricamente, os donos de polegares opositores - e
telencéfalos altamente desenvolvidos - saibam muito bem quem são quando estão diante de espelhos, se reconhecer leva tempo. O tal pesquisador que tentou com orangotangos devia estar meio enrolado de tempo e imaginava que era mais fácil sair pintando primatas, porque com os tais humanos a coisa toda é sempre bem mais complicada.

Auto reconhecimento, acho eu, é algo como perceber-se, identificar-se. Ver a si mesmo em algo lá fora. Lá fora, porque saber-se de dentro é outra história. Se me perguntarem quem sou eu, posso gastar uma porção de horas falando sobre umas coisas que acredito, umas outras que vivi e tantas outras que faço e ainda quero fazer. Essa sou eu, pra mim. Ser contado de fora, explicado do lado de lá, costuma nos fazer achar que aquilo que pintaram está bem longe do que entendemos – e teimamos – sermos nós mesmos.

Nascemos no zero, vazios-vazios. Nos apropriamos aos pouquinhos de tudo que encontramos por aí e vamos nos tornando um rascunho, meio colagem, dos adultinhos que seremos. Assim a gente aprende a dar saúde quando espirram e gritar coisas feias quando topamos com o dedinho. Somos uma construção nossa com o cimento dos outros e isso torna muito difícil para a maioria aceitar com graça e elegância quando algum outro engenheiro vem falar sobre a nossa obra. Parece meio óbvio que não há cristão na Terra que possa saber mais da gente mesmo que nós, os próprios. Mas é aí que, acredito, a maioria fecha os olhos e prefere encontrar manchas nos narizes alheios. Narizes limpos são muito mais fáceis de lidar, reconhecer-se manchado dá um tanto maior de trabalho.

Acho que não sou só eu - e minha mania (criteriosa) de gente - que entendo que o outro é fundamental para sermos. Tom tinha razão, é difícil mesmo ser feliz sozinho. Não só porque as pessoas têm coceirinhas nas costas onde não conseguem alcançar ou porque são realmente necessárias mais de duas mãos para algumas músicas no Guitar Hero. Mas, simplesmente porque sem o reflexo do que somos nos outros é impossível se tornar melhor. E é nessa hora que é importante ter os olhos abertos, para ver o que o espelho nos reflete. As pessoas são realmente uns bons e típicos espelhos. Exceto pela parte de que espelhos não mentem, pois sabe-se bem que há sempre um ou outro mentiroso por aí, são igualmente os outros que nos podem dizer melhor sobre nossos defeitos, qualidades e novos cortes de cabelo. Há aqueles que deformam, nos engordam e emagrecem, mas até esses se baseiam na imagem real do que passamos.

Aprender a reconhecer-se é aprender a aceitar que não somos apenas o que contamos, achamos e juramos de pés juntos ser. É enxergar que somos também as impressões que causamos, os sentimentos que damos de gerar e as emoções, boas e ruins, que suscitamos. É mais ou menos por isso que a maioria não passa sem espelhos, porque sabemos bem que, além de feijão entre os dentes, há certas coisas que não podemos enxergar sozinhos. Daí, vai ver, o medo maior do espelho se quebrar. Precisamos dos outros para enxergar por completo quem somos e mais ainda de uns olhos bem abertos para enxergarmos e reconhecermos as manchinhas que eles nos mostram.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Meu Menino marrom


Encontrei meu Menino marrom. Aquele que Ziraldo escreveu. Na capa há um menino marrom com olhos de jabuticaba. Na verdade, ele diz, ele não tem olhos de jabuticaba, porque nem as jabuticabas são pretinhas de verdade como eram os olhos do menino marrom. (Ele acha que preto mesmo nessa vida só pantera, azeviche e carvão - e olhe lá.) Na contra capa lê-se numa letra bonita-bonita que aquele livro pertence à Srta. Mariana Faro. Assim mesmo. Senhorita. E as letras dizem que quem pegá-lo deve ter cuidado, por favor. Tem mais umas letras dizendo que seria bom também que não o rasgassem. E eu achei muito legal da parte de quem escreveu colocar esse ultimo pedaço. Porque quando eu usava meu menino marrom, a única coisa que eu fiz o favor de não fazer foi rasgá-lo. (sinto que faltam umas páginas, mas deve ser só impressão.) Não devo ter me conformado com as belas ilustrações que Sr. Ziraldo fez para tentar nos dizer o quanto o menino marrom era bonito, quantas cores ele tinha. Eu gostava tanto dele, que lhe redesenhei todinho. Ler era assim. Uma festa só. Não era só segurar e ouvir aquele senhor me contar sobre a história de dois meninos, um rosa e um marrom, que inventavam tantas coisas juntos quem nem se podia dizer o que era invencionice de um e o que era coisa do outro. Ler era tudo. Era fazer adendos, inventar do meu jeito, traduzir as palavras que me escapavam e redesenhar o que eu entendia. Meu menino marrom é todo ilustrado por mim - de dedinhos curtos e, vai ver, umas idéias longas - e por Ziraldo. Com aquelas cores de quem tem cinco anos e acha que cor-de-pele pode ser um milhão além daquelas umas que o Ziraldo disse que o moço da gráfica tinha de opções. Deve bem ter quem olhe e diga que ele é totalmente rabiscado, sem coerência ou coordenação motora e uma combinação esquisita das cores de pedaços de giz de cera, lápis de cor e canetas bic. Arte moderna, vandalismo. Ou, uma confusão só. Mas hoje eu o achei lindo.

Lindo porque eu vi umas palavras, umas coisas, umas sensações. Coisas que eu conheço hoje, mas que ao ver o Menino marrom eu apenas reconheci.